O presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, desembargador Claudio de Mello Tavares, suspendeu nesta quinta-feira (25/3) os efeitos da liminar que obrigava a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) a conceder um desconto de 25% na conta dos nove milhões de consumidores, devido à distribuição de água com gosto, cheiro e cor alterados, durante vários dias em janeiro e fevereiro.

A decisão atendeu ao pedido do Governo do Estado do Rio, que, entre outros argumentos, atestou que a qualidade da água já estaria normalizada. Segundo o presidente do Tribunal de Justiça, a manutenção da liminar ocasionaria “forte queda na arrecadação da concessionária por período significativo de tempo, colocando em risco o abastecimento de água, o tratamento de esgoto na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a própria subsistência da empresa, ressaltando ainda uma dificuldade adicional neste momento: o combate ao Coronavírus (COVID-19), prioridade do Estado o Rio de Janeiro”.

O desembargador assinala ainda que, diante do cenário de pandemia do Coronavírus, o governador do estado editou recentemente o Decreto 46.979 (de 19 de março de 2020), por meio do qual se dispôs a prorrogar a cobrança de contas da Cedae por até 60 dias, além de parcelar os valores lançados.

“Na situação aqui em análise, resta evidenciada a probabilidade de comprometimento da eficiência e continuidade na prestação de serviços essenciais, causando prejuízos consideráveis à boa parte da população fluminense, e perfazendo sério gravame à economia e à ordem pública administrativa”, escreveu o presidente do Tribunal de Justiça.

A decisão vale até o trânsito em julgado da ação civil pública movida pelo Ministério Público estadual e pela Defensoria Pública.

Leia a íntegra do texto.

Suspensão da Execução nº 0017821-17.2020.8.19.0000

DECISÃO

 ESTADO DO RIO DE JANEIRO pretende a suspensão da decisão proferida nos autos da ação civil pública nº 0040259-34.2020.8.19.0001, em trâmite no Juízo da 2ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, onde figuram como Autores o MINISTÉRIO PÚBLICO e a DEFENSORIA PÚBLICA, e como Ré a Companhia Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE. Eis os seus termos:

“Em sede de cognição sumária, sem dilação probatória, é prudente que se fixe um valor mais comedido, ante a ausência de parâmetros técnicos de modo a não prejudicar os consumidores, caso não seja mantido o desconto de forma definitiva, nem que haja risco de prejuízo as atividades da empresa, neste momento processual, mas que possibilite ao consumidor reverter este desconto na obtenção de água de qualidade para seu consumo diário. Desta forma, ante a informação constante em ata de reunião de que foi cogitado pelo então presidente da Cedae a possibilidade de um desconto no valor de 50% da conta de água (um quarto da conta de consumo), às fls. 1221, este valor parece o razoável a ser fixado em tutela provisória, já que sugerido pela própria ré. Deve-se consignar que na conta de consumo da Cedae, há cobrança do fornecimento não só de água, mas também do tratamento do esgoto, na forma do art. 2º do Decreto Estadual n º 7.297/84. No caso em questão, o desconto solicitado é relativo apenas ao fornecimento da água, sem modificação do valor relativo a tarifa de esgoto. Assim, concedo a tutela de urgência, de modo a determinar que seja implementado um desconto mensal de 50% do valor relativo ao fornecimento de água na conta de consumo da CEDAE, o que totaliza 25% do valor total da conta de consumo, uma vez que a cobrança de esgoto permanece inalterada, aos consumidores abastecidos pelo rio Guandu até a comprovação de regularização do fornecimento de água sem odor, cheiro ou turbidez inadequados, com o devido fornecimento de água adequada e própria para o consumo, limpa, inodora e incolor, na forma das normas regulamentares e legais, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Intime-se a Cedae por Oficial de Justiça com urgência, para imediato cumprimento. (fls. 2327 a 2329 dos autos originários)” (grifos nossos)

 Afirma que, inicialmente, por meio da decisão interlocutória de fls. 2.212 e 2.213 (integrada pela decisão de aditamento de fls. 2.318 e 2.319), o requerimento de concessão de tutela provisória de urgência foi indeferido pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, sob o seguinte fundamento:

“Para a concessão da medida deve-se analisar a presença de requisitos indispensáveis. […] Quanto ao perigo de risco ao resultado útil do processo deve-se consignar que a CEDAE é uma concessionária de serviço público que atua em regime de monopólio, não havendo qualquer concorrência. Tratando-se de serviço essencial há inúmeros consumidores cujo o pagamento do serviço lhe garante a solvência. Salienta-se que premente privatização da CEDAE não lhe retira o dever de indenizar, apenas muda sua estrutura societária. Mesmo em sucessão de sociedades a sucessora passa a ser responsável pelo passivo da sucedida […] Por outro lado, o bloqueio dos valores pleiteados pode inviabilizar as atividades da sociedade e inclusive o investimento necessário para normalizar o fornecimento de bem essencial a vida e a saúde da população. Desta feita, em sede de cognição sumária, não se verifica a existência de risco ao pagamento de indenização aos consumidores prejudicados pela má prestação do serviço da ré a ensejar o bloqueio de valores pleiteado. Isto posto deixo de conceder a tutela antecipada, inaudita altera pars.” (grifos nossos)

Ressalta que a decisão questionada foi prolatada quando da apreciação dos embargos de declaração (fls. 2.227 e 2.231) opostos em face da decisão inicial acima, sem que a CEDAE tenha sido intimada para se manifestar sobre o requerimento de tutela provisória de urgência, com a atribuição de efeitos infringentes sem contraditório e ampla defesa.

Alega que o decisum possui forte capacidade de lesão à ordem pública e econômica do Estado do Rio de Janeiro, considerando o número de usuários do serviço de abastecimento de água e esgoto abrangidos pela eficácia subjetiva do decisum (cerca de 9 milhões de pessoas, com base no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS e informado pela DPGE e pelo MPRJ em fls. 07 dos autos originários, correspondendo à quase totalidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro) e os valores envolvidos na ação originária, sendo certo que o valor da causa chega à quantia de R$576.000.000,00 (quinhentos e setenta e seis milhões de reais).

Pondera que, conforme amplamente exposto na mídia desde o início da celeuma sobre a qualidade da água da CEDAE, em meados de janeiro de 2020, o objetivo maior da Companhia, com o auxílio da Administração Direta, foi a regularização do serviço para todos os seus usuários, com o pleno restabelecimento do quadro de normalidade na qualidade da água fornecida à população fluminense abastecida pela Estação de Tratamento de Água (ETA) do Guandu, segundo atestam os órgãos de vigilância sanitária.

Destaca que empresas públicas e sociedades de economia mista – como é o caso da CEDAE – não se sujeitam ao regime de recuperação fiscal e ao processo de falência, nos termos do artigo 2º, inciso I, da Lei Federal nº 11.101 de 2005, razão pela qual não se afigura nenhuma ameaça à solvência da Companhia, a justificar a imposição de medida tão drástica ainda em sede liminar, o que, aliás, teria sido reconhecido pelo próprio MM Juízo da 2ª Vara Empresarial na primeira decisão, de indeferimento da liminar (antes da interposição dos embargos de declaração com efeitos infringentes).

Acrescenta que, diante do cenário de pandemia do Coronavírus, foi editado recentemente o Decreto 46.979 (de 19 de março de 2020), pelo Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro, tendo por escopo a preservação da dignidade dos cidadãos fluminenses, por meio do qual se dispôs acerca de prorrogação de cobrança de contas da CEDAE por até 60 dias, além de parcelamento dos valores lançados.

Em síntese, assevera que a decisão ora impugnada representa grave lesão à ordem e a economia públicas do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, vez que dificulta severamente o reestabelecimento da situação de normalidade no abastecimento de água potável na Região Metropolitana e pode atingir recursos financeiros e humanos voltados para o combate ao Coronavírus.

Requer a suspensão dos efeitos da tutela provisória de urgência antecipada prolatada às fls. 2327 a 2329 dos autos da Ação Civil Pública nº 0040259-34.2020.8.19.0001.

 

É O RELATÓRIO. DECIDO.

A possibilidade de intervenção que a Lei nº 8.437/92 outorga à Presidência dos Tribunais, por meio da suspensão de liminares deferidas contra atos do Poder Público, tem caráter excepcional, somente se justificando nas hipóteses nela explicitadas, ou seja, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas e nos casos de manifesto interesse público ou ilegitimidade, consoante a dicção do seu artigo 4º.

Os pressupostos legais estão normativamente formulados por cláusulas abertas, conceitos indeterminados como o são ‘grave lesão à ordem, à saúde, à segurança, à economia públicas e manifesto interesse público’. É neste sentido que se diz que é ‘política’ a decisão, mas deve-se colocar a máxima atenção ao pressuposto comum já consagrado pelo STF, o fumus boni iuris.

Passo à análise do caso em exame.

O conceito de ‘pessoa jurídica de direito público’, a que alude o disposto no art. 4º, da Lei 8437/92, foi ampliado para também abranger as empresas de caráter privado, porém prestadoras de serviço público quando na defesa do interesse público (a exemplo das empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviço público).

Nas precisas palavras do e. Ministro Humberto Gomes de Barros:

‘Logo, a existência de tutela ao interesse próprio da pessoa jurídica não é obstáculo ao êxito do pedido de suspensão. O que se exige, a mais, é a demonstração de que a decisão prejudica também o interesse público. Noutras palavras: é possível que da correção da grave ofensa ao interesse público se beneficie de forma particular a pessoa jurídica de direito privado requerente’ (SLS 865/MG, Presidência, Min. Humberto Gomes de Barros, DJe de 14/5/2008).

Na hipótese em tela, conquanto seja a CEDAE quem integre o polo passivo da relação processual, é evidente o interesse jurídico do ESTADO na causa, na qualidade de titular de mais de 99,9% das ações da Companhia, diante da inevitável repercussão que a decisão possui sobre sociedade de economia mista prestadora de serviço público, integrante de sua Administração Indireta, e, por conseguinte, sobre a economia e ordem públicas fluminenses, atingindo os já notoriamente combalidos cofres públicos estaduais, tendo em vista o número de usuários do serviço de abastecimento de água e esgoto abrangidos pela eficácia subjetiva do decisum (cerca de 9 milhões de pessoas, com base no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), e que a decisão impugnada estipulou o valor da multa diária em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) na hipótese de descumprimento.

A decisão questionada foi prolatada quando da apreciação dos embargos de declaração (fls. 2.227 e 2.231) opostos em face de decisão inicial de indeferimento, onde foi aduzido, pelo Juízo de origem, que “tratando-se de serviço essencial há inúmeros consumidores cujo o pagamento do serviço lhe garante a solvência. Salienta-se que premente privatização da CEDAE não lhe retira o dever de indenizar, apenas muda sua estrutura societária. Mesmo em sucessão de sociedades a sucessora passa a ser responsável pelo passivo da sucedida […] Por outro lado, o bloqueio dos valores pleiteados pode inviabilizar as atividades da sociedade e inclusive o investimento necessário para normalizar o fornecimento de bem essencial a vida e a saúde da população”.

Contudo, o Juízo de origem entendeu por bem dar efeitos infringentes aos embargos declaratórios interpostos e conceder o pleito antecipatório a fim de determinar que “que seja implementado um desconto mensal de 50% do valor relativo ao fornecimento de água na conta de consumo da CEDAE, o que totaliza 25% do valor total da conta de consumo, uma vez que a cobrança de esgoto permanece inalterada, aos consumidores abastecidos pelo rio Guandu até a comprovação de regularização do fornecimento de água sem odor, cheiro ou turbidez inadequados, com o devido fornecimento de água adequada e própria para o consumo, limpa, inodora e incolor, na forma das normas regulamentares e legais”.

Sucede, todavia, que já teria havido a regularização do serviço para todos os seus usuários, com o pleno restabelecimento do quadro de normalidade na qualidade da água fornecida à população fluminense abastecida pela Estação de Tratamento de Água (ETA) do Guandu, segundo atestam os órgãos de vigilância sanitária.

Ademais, como a CEDAE, na condição de sociedade de economia mista, não se sujeita ao regime de recuperação fiscal e ao processo de falência, nos termos do artigo 2º, inciso I, da Lei Federal nº 11.101 de 2005, não se vislumbra nenhuma ameaça à solvência da Companhia, a justificar a imposição de medida tão drástica ainda em sede liminar, como, aliás, foi reconhecido pelo próprio MM Juízo da 2ª Vara Empresarial na primeira decisão, de indeferimento da liminar (antes da interposição dos embargos de declaração com efeitos infringentes).

A decisão, se mantida, ocasionará forte queda na arrecadação da concessionária por período significativo de tempo, prejudicando a entrada de recursos utilizados na normalização do serviço prestado e na própria continuidade de suas atividades ordinárias, colocando em risco o abastecimento de água, o tratamento de esgoto na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a própria subsistência da empresa, ressaltando ainda uma dificuldade adicional neste momento: o combate ao Coronavírus (COVID-19), prioridade do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, razão pela qual todos os esforços humanos e financeiros da Administração Pública Direta Estadual estão voltados para evitar a proliferação desta pandemia.

Cumpre assinalar que, diante do cenário de pandemia do Coronavírus, foi editado recentemente o Decreto 46.979 (de 19 de março de 2020), pelo Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro, tendo por escopo a preservação da dignidade dos cidadãos fluminenses, por meio do qual se dispôs acerca da prorrogação de cobrança de contas da CEDAE por até 60 dias, além do parcelamento dos valores lançados.

Na situação aqui em análise, resta evidenciada a probabilidade de comprometimento da eficiência e continuidade na prestação de serviços essenciais, causando prejuízos consideráveis à boa parte da população fluminense, e perfazendo sério gravame à economia e à ordem pública administrativa.

Ressalte-se que não está a Presidência antecipando entendimento a ser adotado no julgamento do recurso que porventura venha a ser interposto, nem emitindo juízo de valor a respeito da solução encontrada para o conflito. Os contornos da medida já foram delineados nas linhas acima. O que se pretende nesta via é tão somente evitar riscos de lesão à economia e à ordem pública, o que ficou demonstrado.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de suspensão com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.437/92, para determinar a suspensão dos efeitos da decisão prolatada às fls. 2327/2329 dos autos da Ação Civil Pública nº 0040259-34.2020.8.19.0001, vigorando a presente decisão até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal, nos termos do art. 4º, parágrafo 9º, da Lei 8.437/92.

Intimem-se os interessados, servindo esta decisão como mandado judicial, e dê-se ciência à Procuradoria Geral de Justiça.

Fonte: PJERJ

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